Calma pervinhas...Estamos chegando ao fim da longa história de vida de Kristen. Ótima leitura!
Classificação: Maiores de 17 anos
Autora: Lore Volturi
Gênero: Romance/Drama
Aviso: Sexo/Lemons
Autora: Lore Volturi
Gênero: Romance/Drama
Aviso: Sexo/Lemons
Capítulo 20
Eloy – Arizona, Fevereiro de 2007
A vida com a Nikki.
O começo daquela vida veio com gosto de medo e desconfiança.
Foi em fevereiro daquele ano que os meus pesadelos começaram.
Na estrada era mais difícil de dormir, os carros passando o tempo todo.
O dinheiro tinha que acabar eventualmente, e eu achando que tinha planejado as coisas direito. Quando aconteceu eu tive que dormir no carro todas as noites durante uma semana, ou pelo menos tentava.
Quanto menos eu dormia, mais a minha paranóia aumentava.
O carro podia ser rastreado então o abandonei em uma estrada qualquer antes de entrar no estado do Arizona.
Tive que começar a pegar carona se quisesse chegar a algum lugar, caminhei muito pelo deserto por um dia inteiro sozinha, com calor, com fome, era difícil, mas conheci muita gente legal.
Uma família mexicana, eles falavam tanto e ao mesmo tempo, eu não entendia nada, mesmo assim eles eram extremamente simpáticos.
Depois veio o casal hippie que tinha uma van caindo aos pedaços, mas ainda assim era demais, tinha cheiro de maconha e pão quente, eles me contaram várias histórias sobre os lugares que eles já tinham estado e que agora o plano deles era ir para o México, passar um ano morando na praia.
Depois deles foi a freira Madeline que eu conheci e peguei carona até chegar a Eloy, a freira era legal, mas eu não gostava do olhar maternal que ela tinha e como ela parecia querer cuidar de mim. Meus pais estavam mortos, eu estava só no mundo e pretendia continuar assim.
Eu não contava com chuva no deserto, cheguei lá no final da tarde, rodei a cidade toda pegando chuva. A cidade era pequena, não tinha mais de cinco mil habitantes, e nenhuma alma generosa suficiente para me dar algo para comer. Tive que ir ao supermercado e deixar uma maçã cair “sem querer” na minha mochila, mas tinha sido só. (Até então eu não tinha os dons do furto).
Foi ao acaso, devido a chuva e a fome eu não tive força para caminhar muito, então sentei na frente do que mais tarde eu descobri ser um motel, enquanto esperava a chuva passar cai no sono.
Acho que foi quando uma mulher com meia calça preta rasgada, uma saia minúscula e um sutiã brilhoso me achou.
-Hey Garota vai para casa, isso não é lugar para criança.
-Não sou criança.
-Bem, mas levanta e dá o fora daqui, Ok?!
Eu não tinha muita noção da minha aparência por aqueles dias, meus jeans estavam largos e eu estava com cinco quilos a menos que o meu normal. Eu realmente parecia mais nova do que eu era. Quando tentei me levantar, senti tontura e cai.
-Hey Hey, cuidado.
-Meu estômago dói.
-Quando foi a última vez que você comeu?
-Comi uma maçã hoje.
- E antes disso?
Fiquei em silêncio, enquanto tentava me lembrar da última vez que eu tinha tido uma refeição decente.
-Meu nome é Nikki, qual é o seu?
Fiquei em dúvida se dava o meu nome de verdade, mas a Nikki não parecia do tipo de pessoa que ia me colocar em confusão.
-Kristen.
Nikki me levou para onde ela morava, um quartinho pequeno que tinha cozinha e banheiro de frente um para o outro. O lugar estava cheio de roupa com lantejoulas e lingerie barata. Não levou nem um segundo para eu sacar que ela era garota de programa, não julguei. A pessoa tem que fazer o que tem que fazer. É sobreviver ou morrer.
Aquela primeira noite ela me deu comida e deixou que eu passasse só uma noite. No dia seguinte, o plano era ir embora. Mas o meu medo era de chegar à outra cidade e acontecer o mesmo, talvez eu não tivesse a mesma sorte duas vezes.
Então fiquei em Eloy, a Nikki conseguiu um emprego como garçonete no stripclub que ela conseguia os programas, realmente por aqui do jeito que era só tirar a roupa não rendia dinheiro.
O lugar chamava Lazy Underworld, era um nome legal para um clube que ficava quase no meio do nada, perto da estrada. A maior parte dos clientes era de caminhoneiros, viajantes solitários, homens casados que não transavam com as esposas há anos, esses eram os clientes fiéis da Nikki.
Ficou logo claro por que ela não tinha amiga na cidade e as donas de casa se benziam quando ela passava. Ela se divertia com essas coisas, mas não era nada engraçado como as mulheres olhavam para ela.
Conviver com a Nikki acabou se tornando uma tarefa fácil, ela era simpática quando queria e de uma forma ou de outra acabava tomando conta de mim. Às vezes tinha umas mudanças de humor, que surgiam quando eu menos esperava. De madrugada quando chegava de um programa, ela chorava até dormir.
Inúmeras vezes ela me fez prometer que nunca iria acabar como ela, por mais que estivesse morrendo de fome, eu nunca ia ter aquela vida.
Queria ter feito alguma coisa por ela, hoje eu penso se a minha amiga morreu naquela vida, conformada com abusos e xingamentos.
Nós todos vivíamos em pesadelos, mas nos ajudávamos quando podíamos.
Eu não entrava em detalhes da minha vida, mas ela sabia que eu estava fugindo de um cara chamado Peter Facinelli, foi quando eu descobri que falava enquanto dormia. Ela disse que eu repetia esse nome várias vezes.
Eu pensei em contar tudo que tinha acontecido comigo, mas ainda não conseguia falar sobre. Ela me contou sobre a vida dela, sobre ser expulsa de casa com quinze anos, ela também não tinha uma boa relação com a mãe.
A minha parecia uma santa perto da dela, isso diz muito sobre a mãe da Nikki.
Mas eu não gostava de pensar nisso, eu queria esquecer aquela realidade que um dia eu tinha tido.
Para mim não fazia falta nenhuma, apesar de que a noite eu me perguntava se entre planejar festas e comprar roupas, por acaso a Senhora Jaymes estava preocupada comigo? Sentia a minha falta?
O que será que o Peter falava para ela a noite?
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Trabalhar como garçonete não era difícil, mas era cansativo e o salário não era bom. Tinham dias que chegava a ser tedioso, o pior mesmo ficava para as mulheres que dançavam.
Todas as mulheres daqui eram exploradas e todas tinham problemas. Sempre tinha um engraçadinho tentando passar a mão em mim, mas era o máximo que acontecia, aprendi a controlar isso colocando laxante na cerveja de um, depois disso a fofoca se espalhou e eram poucos os que tentavam alguma coisa.
Queria tentar conseguir dinheiro suficiente para chegar a Baytown, mas tinha perdido o foco por um tempo, fiz algumas amizades e por um tempo achei que poderia ficar ali.
A Nikki sempre fazia questão de lembrar que aquilo não era uma vida pra mim, e eu ainda tinha a minha avó para procurar.
Já tinha quase um ano em Eloy, em vinte de janeiro de dois mil e oito, eu decidi que era hora de ir embora.
Mesmo com os altos e baixos a Nikki tinha se tornado uma irmã mais velha pra mim, e foi difícil deixar aquela cidade para trás.
Prometi a mim mesma que um dia eu ia voltar lá e tirar ela daquela vida.
Hoje me arrependo de não ter dado um abraço de despedida, de saber que ela morreu no meio daquele deserto com uma vida que ela não gostava.
Consola-me lembrar que ela deve ter ficado feliz comigo partindo, era o que ela queria afinal.
Antes de deixar a cidade, eu fiz o que eu espero tenha colocado um sorriso no rosto dela. Na minha última noite em Eloy, depois de servir a minha última cerveja, achei que devia vingar as minhas queridas colegas de trabalho.
Ele explorava todas nós, o salário era uma mixaria e pelo jeito que ele gritava com todas nós quando quebrávamos alguma coisa no bar, parecia que o fim do mundo estava chegando. Por isso tudo não sinto culpa pelo que eu fiz.
Obrigada Pierre, por todos esses meses de trabalho quase escravo.
Enquanto ele dormia de boca aberta e contando dinheiro no escritório, eu entrei sem fazer barulho e peguei as chaves do Camaro dele.
Claro que eu não ia voltar a pegar carona na estrada, não era divertido ficar com boné cobrindo o meu cabelo e camisa fechada para acharem que eu era um menino. Meninos não conseguiam tanta carona.
Além do mais, o meu guarda roupa agora era um pouco diferente, eu tinha muitas saias curtas e blusas com decotes, também tinha uma nova atitude e mais experiência nas costas.
A estrada não me assustava tanto, enquanto dirigia pelo deserto com o sol a pino.
Tive meu primeiro gosto de liberdade.
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Albuquerque –New Mexico - Fevereiro de 2008
A vida com o Jackson
Eu não tinha exatamente o melhor dom para ler mapas, então me perdendo aos poucos eu cheguei ao Novo México, eu também não entendia muito de carro.
Parei em um posto vagabundo na beira de estrada, para encher o tanque ou pelo menos eu achava que o problema do carro era falta de gasolina, o nome do lugar e do posto não eram importantes por que eu não fiquei mais de quinze minutos ali.
Agora voltando para analisar é incrível como apenas, quinze minutos foram o suficiente para mudar o rumo da minha saga mais uma vez.
Enquanto tentava não deixar aquele maldito calor de vinte e sete graus, me incomodar e com dificuldade lutava para me guiar no maldito mapa do estado, percebi que tinha um grupo de seis homens sentados jogando cartas.
Caminhei até a máquina de refrigerante e todos os cinco olharam pra mim, menos o mais novo deles. O estranho estava concentrado no jogo, usava um chapéu marrom, estilo Indiana Jones, fiquei observando por um tempo tentando ver os olhos escondidos por trás do chapéu e das cartas.
Dei uma última olhada para eles antes de voltar para o meu carro, com refrigerante gelado na mão e o mapa amassado na outra. O cara tinha ganho o jogo, estava limpando a mesa.
Aquilo me fez sorrir, não sei porque.
Girei a chave na ignição, mas não pegou.
-Pega, por favor. Tá de tanque cheio, qual o seu problema?
Eu tendia a falar com as coisas, quando não funcionavam. E o carro era meu único amigo naquelas semanas.
O motor roncou, quando eu tentei pela segunda vez, mas agora para o meu susto eu tinha um passageiro. Entrando no meu carro sem pedir licença e mandando em mim.
-DIRIGE!
-O quê?
-AGORA VAI!
Olhei pelo retrovisor, cinco homens vinham correndo na direção do meu carro todos com expressão de pura raiva. Não pensei duas vezes e pisei no acelerador.
Logo nós sumimos da vista deles, indo a cento e sessenta na estrada. O estranho de sorriso sacana contava uma pilha de dinheiro no colo. Depois de uns minutos, eu quebrei o silêncio.
-Essa é a hora em que você me agradece, sabe?!
-Aqui. – Ele jogou uma nota de vinte dólares em cima de mim. –Obrigado.
Eu tive que rir.
-Eu te salvo de cinco caras, loucos para te matar e ganho vinte dólares, Uau.
Acho que foi só nessa hora que ele finalmente olhou o meu rosto.
-Qual o seu nome minha bela heroína?
-Eu digo o meu assim que você disser o seu, meu belo fugitivo.
-Jackson, mas pode me chamar de Jack.
Tirei os olhos um segundo da estrada para ver se ele estava falando sério, os olhos brincalhões e muito verdes diziam que eu podia confiar nele.
-Kristen, por favor, não me chame por nenhum apelido.
-Ok, anotado.
-Então Jack, onde você quer que eu te deixe?
-Não sei ainda. – Ele olhou em volta, o carro, intrigado. – Por que eu tenho o palpite que esse carro não é seu? Como conseguiu esse carro?
-Você vai me explicar como conseguiu esse dinheiro?
Apontei com a cabeça, para o dinheiro no bolso dele. Sem tirar os olhos da estrada ouvi o sorriso nos seus lábios.
-Eu não te conheço Kristen, mas acho que vou gostar de você garota.
Ali começou a nossa amizade, parceria e sociedade.
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Não nos separamos desde aquele dia, a vida com o Jack era emocionante e completamente diferente de tudo que eu já tinha experimentado.
Ele me ensinou tudo.
Era o meu melhor amigo, mentor e às vezes também era o que acabava com a minha carência.
Fazer o quê? Jack não era nada feio. Fora que eu tinha dezoito anos, não era nenhuma criancinha. Uma garota tem necessidades.
Além do mais isso ficava em segundo plano.
Vendas de seguros de vida, como furtar no metrô, jogos de carta, sempre com umas cartas a mais, de tudo um pouco o Jack me ensinou, até como imobilizar um agressor, eram movimentos simples, que me possibilitaram derrubar um cara com o dobro do meu tamanho.
Segundo ele, eu tinha um talento natural para tudo aquilo, em dois meses eu já conseguia pegar três carteiras em um viajem de metrô. Claro que eu tinha a vantagem de estar bem arrumada e ter aquela carinha de boa moça que eu sabia fazer.
O segredo era manter a calma, sorriso no rosto e chamar atenção para outro ponto, assim quando a sua mão deslizar ligeiramente para dentro do casaco, não é tão difícil.
Tudo era emocionante e adrenalina era incrível.
Nós usávamos todos os tipos de nome, tipos de roupa. Eu já tinha uma coleção de identidades falsas, já tinha sido Julie Smith, Kate Walsh, Jordin Climb, Keira Young, os meus nomes falsos geralmente começavam com J ou K.
Era sempre uma aventura, uma cidade nova. Aquela sensação de ser invencível, na maior parte das vezes.
Claro que nem tudo eram flores, eu não pretendia continuar naquela vida por muito tempo. Nós tivemos os nossos momentos de medo.
Passar pela polícia e ter aquele medo constante, não era uma coisa agradável. Os pesadelos deram o tempo, pois eu dormia todas as noites a base de remédio.
O Jack não sabia lidar muito bem nas noites em que eu acordava chorando, então ele fazia questão de sempre passar na farmácia e comprar Noctal. Eu não gostava disso ao mesmo tempo em que nós tínhamos essa amizade, de cometer pequenos golpes éramos um pouco distantes, quando se tratava dos nossos passados.
Ele nunca fez pergunta sobre o meu “F” nas costas e eu não fazia perguntas sobre as tatuagens que ele tinha.
Ele só tinha comentado que o “I’m lost”, era por culpa do pai dele.
Fato que chamava atenção no Jack era que ele não gostava de mendigos, uma vez um senhor foi tentar pedir esmola e ele teve um surto de raiva e quase bateu no velhinho, se eu não tivesse impedido, não sei o que poderia ter acontecido. Uma das poucas coisas que eu entendia sobre o Jack, era que ele tinha o maior medo de ser pobre, da pobreza.
Experiência de quem já passou fome por dois dias na estrada, não é divertido.
Assim no final daquele ano, já era hora de dar adeus ao Jack. Ele queria ir para Vegas e eu não podia, enquanto andamos pelo novo México e Texas foi divertido, mas eu não podia esquecer a minha avó.
O Jack foi a minha melhor fuga, com ele eu podia quase ignorar todo meu passado.
Uma pena que não foi feito para durar tanto tempo.
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Então entramos em um acordo, Jack fez questão de dirigir no dia da nossa despedida.
Era de manhã bem cedinho quando entramos no subúrbio de Baytown, ele fazia cara feia para todos os lados, as casa com cercados brancos, janelas coloridas. Tudo que pra ele indicava uma vida de tédio e conformação.
Os óculos de aviador, por trás do volante do Camaro, indicavam perigo. Uma mulher olhou pra ele com ar de desaprovação e entrou com o Jornal e trancou a porta.
-Tem certeza que quer ficar aqui, Baby? Nós podemos ir para Vegas, os cassinos, eu te ensino a contar as cartas, nós podemos ganhar muito...
-Jack...
Eu olhei para ele sorrindo, eu sabia que ele não queria admitir, mas ia sentir a minha falta.
-Ok, você que sabe.
Nós paramos na frente de uma casa com o jardim bonito e bem cuidado, a porta alaranjada e o cheiro de chá. Saímos do carro, ele me ajudou com as malas. Encaramos a casa, dei um suspiro longo, pensando no quanto tinha demorado e agora eu estava ali, na porta dela.
-Boa sorte, K.
Me virei para olhar pro Jack, a camisa azul quadriculada com a gola levantada naquele melhor estilo rebelde e os óculos escuros. Tínhamos passado tanto tempo juntos e mesmo assim, eu ainda queria entender mais sobre ele, sobre o que se passava por de trás daquela pose toda.
Com as mãos nos bolsos ele olhou para o chão.
Me aproximei mais, tirando seus óculos.
-Vou sentir sua falta Jackson Rathbone.
Sorri enquanto uma lágrima escorria pela minha bochecha, ele não sorriu.
-Você sabe que a estrada não vai ser a mesma sem você.
Nos abraçamos por uns bons segundos, então dei um beijo de despedida. Ele colocou o óculos de volta e me deu as chaves do carro.
-Eu vou indo, Vegas me espera.
-Espera Jack.
Joguei a chave do Camaro pra ele.
-Tem certeza?
-Tenho.
-Mas K, você pode precisar...
Olhei para a janela, o cheiro de café que vinha da casa.
-Eu vou ficar bem.
Ele entrou no carro, com o sorriso no rosto, antes de sair me olhou.
-Você sabe como me achar.
-Se cuida Jack, se precisar de alguém para pagar fiança. Só me ligar.
Nós rimos e depois ele foi embora. Olhei o carro virar a esquina e desaparecer. Voltei a encarar a casa mais bonita da rua, respirei fundo e carreguei as minhas malas até a porta.
Acreditei em um ano novo melhor.
E pela maior parte do tempo, foi. Eu tinha uma casa, tinha uma parte da minha família perto de mim.
- GrandmaStew, eu to em casa.
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Baytown, Texas - Agosto de 2009
A vida nova.
Os meses ao lado de minha avó foram, de longe a melhor coisa que eu podia ter, depois de tudo que tinha passado.
No começo ela ficou chocada ao me ver ali na porta dela, desconfiou que tinha algo haver com o Peter desde o começo. Conversando sobre como era a vida na Califórnia, ela me confessou que nunca aprovou o casamento.
Várias vezes tentou impedir, no dia do casamento mesmo a minha avó não estava presente.
Eu tinha quatorze anos, era incrivelmente ingênua e ninguém me contava as coisas.
As ameaças de jogar minha avó em um asilo vieram primeiramente da minha mãe e em seguida o Peter reforçou.
-Eles falaram que pagariam a mais cara e melhor casa de repouso, se eu aceitasse aquilo tudo.
Minha avó falou com as lágrimas nos olhos.
-Eu queria poder cuidar de você, minha querida. A sua mãe ainda pensou no assunto, mas o seu padrasto não aceitou a idéia.
A ganância da minha mãe era pior do que eu pensava, ela ia fazer o que fosse para não perder Peter e o dinheiro dele. Era um mundo novo de informações que a minha avó tinha me dado, ela queria ter lutado pela minha guarda, mas contra um advogado como o Peter ia ser uma causa perdida.
Então ela não teve opção a não ser se recolher no canto dela.
Por outro lado, agora a minha avó vivia em paz. Assim que os olhos dela bateram em mim, ela soube que tinha acontecido alguma coisa errada.
O carinho e atenção que eu tinha dela, eram coisas que eu nunca descobri com a minha mãe. Ela praticamente tinha me criado, a minha dor era a dor dela.
Eu nunca a deixei ver minhas costas, não sabia como ela iria reagir.
X
Aconteceram algumas mudanças drásticas, eu tive que frequentar a igreja junto com ela, mas não só isso, eu tive que participar dos grupos de auto-ajuda. Nunca cheguei a falar nada lá na frente, não era obrigado, fui só em algumas reuniões, não me sentia confortável ouvindo os depoimentos daquelas pessoas.
Então na maior parte das vezes, eu fumava uns dez cigarros no banco da praça e falava que tinha ido à reunião.
Em uma das noites em que eu fingia ir para o grupo de ajuda da Igreja, já estava acendendo meu terceiro cigarro quando notei o Padre discutindo com alguém no celular.
Bem, isso não é a paz do Senhor. Definitivamente
-Bom, mas eu discordo.
Ele falou quase se alterando. E depois disso desligou.
Quando ele se virou para voltar a entrar, me encarou.
-Quanto tempo você está ai?
-Tempo bastante para saber que o senhor não quer que a sua filha saia com caras da faculdade.
Ele baixou a cabeça rindo e coçando a cabeça. Padre Paul, ele tinha por volta dos seus cinquenta e poucos anos, cabelos grisalhos e olhos azuis. Jeito de quem tinha sido muito bonito quando jovem e agora aparentava cansaço.
Traguei o meu cigarro encarando o Padre, para ouvir a desculpa. Mas em vez disso ele me repreendeu.
-Você sabia que isso mata. – Ele apontou para o meu cigarro. – Devia parar.
-E o senhor não devia gritar com a sua esposa.
Empatado
-Isso foi só um desentendimento.
Não comprei aquele papo furado, e para ser sincera fiquei feliz em saber que até a vida de um Padre tinha seus defeitos. Ri sem humor e me sentei no degrau de mármore.
-Por que não está lá dentro com o grupo de apoio?
-Por que eles não me dão o apoio que eu preciso.
Ele cruzou os braços e sorriu pra mim.
-Você sempre é assim? Com uma resposta na ponta da língua.
-Nem sempre, estou pegando o jeito de uns tempos para cá.
Ele se sentou ao meu lado na escada, ficamos em silêncio enquanto observávamos o céu. Não tinham tantas estrelas como uma noite no Arizona, mas ainda sim era bonito.
Não era sempre que eu tinha oportunidade de conversar com um padre, então aproveitei para matar uma curiosidade.
-Posso lhe fazer uma pergunta, Padre?
-Sim, você pode Filha.
Eu não gostava de ouvir aquela palavra, ainda mais vindo de um sorriso bondoso.
-Da onde vem a sua fé?
-Que tipo de pergunta é essa? – Ele sorriu mostrando todos os dentes, parecia se divertir muito com a minha curiosidade.
-Eu sempre quis saber, o que faz de um Padre... Bem, um Padre.
Ele deu um longo suspiro e continuou olhando para frente, para as estrelas.
-O que eu posso dizer é que tudo que você vê, é da onde vem a minha fé. O Senhor criou tudo isso, essa beleza que nos rodeia, como não sentir fé na força dele, quando eu sou testemunha da sua obra?
Aquela não era a resposta que eu queria ouvir, continuei a fumar o meu cigarro em silêncio.
-Minha vez. – Ele falou dando um empurrãozinho com o joelho na minha perna. – Por que não está lá dentro com o grupo de apoio?
-Eu já lhe respondi isso, Padre.
-Eu sei, mas dessa vez eu quero a verdade.
Apaguei meu cigarro na planta do arbusto que tinha do lado e me levantei.
-Eu disse a verdade, aquelas pessoas ali dentro não vão me dar o apoio que eu preciso. Por que ninguém sabe o que eu passei.
-Mas se você compartilhar a sua história, talvez...
-Talvez, nada. Eu não vou divulgar a minha dor não vai servir de espetáculo para os outros. Eu não quero ser um exemplo.
-Mas se você não estender a mão e pedir ajuda, como vai conseguir ajuda? O senhor sempre salva aqueles que vêm até ele, pedindo perdão.
-Quem disse que eu quero perdão, Padre? Quem disse que eu quero ser salva?
O padre tentou argumentar, mas eu já estava de costas colocando os fones de ouvido. Eu não devia ter jogado toda minha raiva nele, daquele jeito.
X
Fiquei um tempo sem ir a Igreja depois daquela conversa com o Padre.
Minha avó achava que eu ainda ia às reuniões.
Me sentia mal, às vezes, por mentir pra ela, fiz algum esforço depois disso, para diminuir a minha culpa. Conversei com a psicóloga que eles tinham no centro comunitário, mas eu ainda tinha o péssimo habito de mentir, então contava alguma história maluca de filme na hora da sessão.
Ela não era boa, também duvido que ela estivesse prestando atenção em qualquer coisa que eu contava.
No final das contas, ela receitava alguma droga, eu dormia durante a noite e tudo estava bem.
Eu tinha um emprego no supermercado que ficava um pouco longe dali, Baytown não era uma cidade tão pequena como era Eloy, mas ainda sim nos finais de semana eu gostava de ir a Austin, para ir ao cinema ou ir comprar alguma coisa.
Era bom ver gente da minha idade, pra variar.
Em uma dessas vezes que eu saí da cidade por algumas horas, foi que aconteceu.
Voltei mais cedo para casa, caminhei da parada do ônibus até em casa sem pressa, ainda sem prestar atenção por onde eu andava. No meio do caminho eu já pude ouvir os gritos dela, eu estava tão perto que por pura sorte eles não me viram. Me abaixei imediatamente, entre as árvores e os arbustos.
Eram os três bruxos, o Alec segurava a minha avó que tentava se soltar dos braços dele. A Mercedes preta e uma Van que provavelmente era da casa de repouso.
-Não toquem na minha neta. Não toquem nela!
Ela estava sendo arrastada e ainda sim, toda preocupação era comigo. Coloquei as mãos na minha boca e chorei sem fazer barulho.
Eles deram um soco no rosto dela e ela ficou desacordada.
Alguns vizinhos assistiam sem fazer nada.
Ela foi jogada dentro da Van.
O Nick usava uma bengala, falou com os outros enquanto Daniel e Alec entravam no carro.
-Nada para ver aqui, pessoal. Nada para ver. Assunto de família. Tenham uma boa tarde.
Eles desapareceram assim, como surgiram.
Como era a especialidade deles.
Dormi na igreja durante três dias, não tinha coragem de entrar na casa. E quando entrei foi só para ver o estrago quePeter tinha causado mais uma vez na minha vida.
Eles tinham revirado tudo.
Tinham achado meu quarto, a essa altura eles sabiam que eu estava por perto.
Entre todas as coisas reviradas, achei uma foto da família reunida. Minha avó sorrindo, comigo no colo, meus pais se olhando com ar apaixonado e a Ashley no chão, sentada brincando com o cachorro.
Ashley Greene
Foi quando eu tive a idéia de Londres. O resto dos meses eu passei escondida, não saia de quartos de hotéis de beira de estrada. Usava identidades falsas, viajei como um fantasma.
Foram dois carros que eu consegui roubar, para poder chegar a Londres.
E eu não me arrependia nenhum pouco.
Londres tinha sido mais do que, uma parada ou uma cidade para passar o tempo.
Londres tinha feito com que eu aprendesse a olhar o céu e respirar em paz.
Londres tinha me dado mais que amigos, eu tinha uma família e por mais que eu tentasse lutar contra, eu não podia negar, Londres fez com que eu descobrisse o amor.
X
O poder do medo.
Por várias vezes escapei por pouco, por sorte, por acaso.
Eu sabia que o Peter ia me achar, eu sabia que o momento estava chegando, por mais que o telefonema do Jackson tivesse me dado esperança, eu sabia que aquilo tudo estava longe de acabar.
Eu tinha uma vida com prazo de validade e por mais que todos os sinais apontassem ao contrário nos últimos dois meses, eu nunca ia ser normal, nunca teria uma vida normal.
Relembrar e dizer todas aquelas coisas fez com que as minhas cicatrizes abrissem e rasgassem de tal forma que era impossível não arder em temor.
Mas agora eu não temia só por mim.
Temia também pelo par de olhos azuis que me encarava enquanto eu contava os meus piores pecados. Os segredos que eu jurei não dividir com mais ninguém além de mim.
Minha verdade tinha sido dita alta e clara, entre minhas lágrimas e as dele.
O silêncio ia ser quebrado a qualquer momento, por enquanto eu só ouvia a minha respiração e o meu coração batendo descontrolado.
De todos os tipos de medo que eu senti nessa vida, esse que eu sentia agora, era de longe o pior.
Medo de perder o amor, a admiração e o carinho dele.
Eu jamais seria a mesma diante dos olhos dele e isso iria me destruir para sempre.
Nenhum pesadelo que eu já tinha vivenciado se comparava com o medo que eu sentia agora, respirei fundo e esperei pela sentença por trás dos olhos azuis.
Continua....
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